domingo, março 16, 2003

UM TEXTO
Corujice a parte, fico feliz em publicar um texto produzido pela minha filha, quando ainda no colégio, aos 17 anos. Poucos dias antes das últimas eleições. Hoje ela cursa o 2o período de Comunicação da PUC.

ALIENAÇÃO
Um palco, imenso. 170 milhões de personagens. Uma platéia relativamente grande, voluntariamente de olhos fechados. Preparem-se: começa agora o teatro da vida real de um brasileiro. Um diário contado pelos olhos de uma outra personagem desta grande peça chamada BRASIL.
Fim de tarde escaldante. Cansado, o trabalhador volta pra casa, estampando um misto de sorriso e lágrima no rosto. O transporte é um carro que era popular há dez anos atrás. Mas ele não se importa - foi uma força maior que quis assim. Trata-se de uns dos seus bens mais valiosos - só perdendo para a bíblia, que o acompanha em todos os lugares. "A palavra do Past...não, de Deus, me guia nessa vida", ele diria, convicto de sua fé.
Continua, cantando seu pagode. Num dos sinais, uma dupla de meninos de rua faz malabarismos com limões e bolinhas de tênis, já encardidas de tanto beijarem a verdade suja do asfalto. Desajeitados, os garotos vão pedir por mais um dinheiro. O trabalhador prefere virar o rosto. É tão mais fácil negar algo, mesmo estando bem na sua frente.
Segue. Segue. Segue. Chegando em casa, dá um beijinho na esposa - que não trabalha porque mulher de trabalhador brasileiro tem mesmo é que ficar em casa, cuidando das crianças - e se esparrama na poltrona furada. O cheiro da comida é muito familiar: a mesma gororoba de farinha, feijão, arroz e ovo com certeza vai mais uma vez estar na mesa.
Levanta-se com muito pesar e chama os filhos. Os dois com dengue, coitados. No entanto, o trabalhador ainda louva a Deus quando se lembra que tiveram sorte, ao conseguir senha no hospital lotado. O tratamento era simples: somente descanso, algo que os dois garotos já conheciam de outros tempos. Já não era o primeiro ano em que os dois ficavam sem escola - a pública estava sem vagas ou em greve, e as particulares eram caras demais pro orçamento dessa família brasileira.
A noite já tomou conta do céu com sua ausência de luz quando a família senta-se pra ver televisão. Horário eleitoral. Depois de um silêncio de espasmo, há um protesto geral. Ninguém quer esperar pra ver a novela, nem o jogo, nem Big Brother. A televisão então é rapidamente desligada. O trabalhador lê a parte de esportes do jornal e liga a TV de novo. Ainda bem que já tinha acabado o Horário Eleitoral...a convocação ou não do Romário é muito mais importante do que essa tal de eleição presidencial.
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Dois anos depois, o trabalhador senta-se a mesa e chora, chora pelo seu voto que agora o arruína...


Num momento em que a gente vê a professorinha BBB Elane dizer que nunca ouviu a palavra esdrúxula (“o que quer dizer?), fico feliz em ver que a cultura, inteligência e interesse pela nossa língua, cabe muito bem numa menina, minha filha!!!
PAIZÃO BABACA TÁ AQUI!!

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